Thomas Kuhn é um dos filósofos da ciência mais conhecidos e influentes.
Ele talvez seja o filósofo da ciência mais conhecido fora de seu círculo
profissional. Tendo tido formação de físico, consagrou-se ao estudo e ensino da
história da ciência. Publicou primeiro o livro The Copernican Revolution,
mas foi o agora já clássico The Structure of Scientific Revolutions
que lhe deu fama e o consagrou como proponente de uma desafiadora alternativa à
filosofia da ciência tradicional. Publicou também diversos artigos, alguns dos
quais estão reunidos no volume The Essential Tension. Para o tema da
educação, dois dos textos ali reunidos são particularmente interessantes:
"The Essential Tension: Tradition and Innovation in Scientific
Research" e "Second Thoughts on Paradigms."
Kuhn não defende nenhuma filosofia
da educação no sentido tradicional dessa expressão, isto é, o tipo de
teoria que podemos encontrar em filósofos clássicos, como Platão, Rousseau e
Dewey, que são alguns dos filósofos da educação mais conhecidos. Kuhn não
elabora nenhum programa para reformar o ensino. Ele não possui qualquer
programa fundamentado em princípios pedagógicos, nenhum programa constituído a
partir de uma concepção do mundo e do homem dentro dele, nem de uma visão da
sociedade ligada aos diversos projetos políticos, morais e científicos
destinados a torná-la melhor. Ao contrário, o que Kuhn faz é uma análise da
educação nas ciências naturais. O tratamento que ele dá a esse tema é de
caráter histórico e psicológico. Kuhn procura mostrar de que modo, nas ciências
naturais maduras, a educação científica leva o candidato a cientista a se
incorporar a uma comunidade de investigadores. Essa comunidade possui
determinados padrões de comportamento em face do saber e de sua prática
investigativa. O jovem cientista estará formado no momento em que for capaz de
se comportar do mesmo modo que os membros mais antigos daquela comunidade.
A incorporação de novos
cientistas a uma comunidade guarda certa similaridade com a conversão e a
educação religiosas. Para que os cientistas aceitem um novo paradigma, devem
passar por um processo de conversão e de rompimento com o antigo paradigma. É
nisso que consiste, segundo Kuhn, uma revolução científica. Ela é a passagem de
um modo de compreender a natureza e os problemas científicos e de resolvê-los
para outro, que é incomensurável com o primeiro. Este é um fenômeno necessário
do desenvolvimento das ciências maduras.
Uma disciplina científica ou
especialidade passa a existir apenas no momento em que um primeiro paradigma –
uma solução exemplar de um problema – é aceita universalmente (ou quase) pelos
indivíduos que investigam algum fenômeno ou conjunto de fenômenos. A partir daí
a comunidade científica existe propriamente, e se inicia um período de ciência
normal. Durante este período, os cientistas fazem sua pesquisa orientados
pelo paradigma aceito. Parte de seu trabalho consiste em levantar novos
problemas e tentar resolvê-los de modo similar àquele encontrado no paradigma
aceito. O cientista prova seu valor na medida em que, por sua criatividade e
engenhosidade, é capaz de resolver esses problemas.
Alguns desses problemas,
contudo, diz Kuhn, formulados no interior do paradigma não parecem aos
cientistas ter solução com os recursos unicamente do paradigma. Isso gera crise
na ciência e provoca o início do período de ciência extraordinária. É
assim que soluções alternativas são procuradas, soluções que rompem com o
paradigma vigente. Quando uma delas é aceita, ocorre uma revolução científica,
de modo semelhante a uma revolução política. Primeiro, alguns cientistas se
convertem ao novo paradigma, e passam a ver as coisas de maneira diferente.
Depois, outros mais aceitam o novo paradigma, mas alguns, os mais velhos,
jamais chegarão a aceitar o novo paradigma.
Um dos efeitos provocados
por uma revolução científica é uma mudança na visão que os cientistas têm do
passado de sua disciplina. O novo paradigma não só faz com que os cientistas
vejam sua atividade e a natureza de modo diferente, mas também faz com que se
reescreva a própria história da disciplina. Tudo é então visto e reinterpretado
do ponto de vista do paradigma vigente. Kuhn compara esse fenômeno com aquele
descrito por Orwell em 1984, em que a história era sistematicamente
reescrita em conformidade com os interesses políticos do momento.
A nova maneira de ver a
disciplina, conforme o novo paradigma, se consolida nos livros-texto, nos
manuais, na literatura de divulgação, enfim, em toda a literatura científica
secundária, destinada a reconstruir a imagem daquela ciência. Segundo Kuhn, o
papel dos livros-texto é fundamental na educação científica. Eles não apenas
tornam as próprias revoluções científicas invizíveis (aos estudante e aos
leigos), mas são também utilizados como instrumentos pedagógicos para formar os
novos cientistas segundo o paradigma vigente. É nos livros-texto que estão
descritos os exemplares, cujo conhecimento deve levar o candidato a cientista a
se tornar, também ele, um solucionador de problemas. Ele deve provar seu valor
como tal, independentemente de suas motivações iniciais para se tornar um
cientista. Este é um aspecto particularmente interessante que Kuhn põe em
evidência a respeito do comportamento dos cientistas.
Um jovem pode procurar a
carreira científica com as motivações mais românticas ou idealistas, mas a
educação científica vai levá-lo a procurar tão-somente provar seu valor como um
solucionador de problemas. Tal mudança de comportamento não sofre da parte de
Kuhn nenhuma avaliação moral. Ao contrário, ele acha que ela se deve apenas à
natureza da pesquisa científica, que é sempre orientada por um paradigma, o
paradigma que está consolidado nos livros-texto destinados a formar os jovens
cientistas. E é apenas na medida em que sua visão das coisas se restrige àquela
ditada pelo paradigma que o jovem cientista tem chances de sucesso.
Diferentemente das ciências naturais, nas humanidades e nas artes, diz Kuhn, o
conhecimento da história é tido como bastante importante. Os jovens são
expostos às diversas alternativas conhecidas para que eles aprendam seu ofício.
No caso das ciências naturais, ao contrário, quaisquer alternativas àquela
expressa no livro-texto são consideradas prejudiciais à formação do cientista.
Elas apenas o desviariam dos exemplos e modelos de problemas que ele deve
aprender a resolver.
A grande importância que
Kuhn dá aos livros-texto na educação científica nos levaria a pergungar se ele
não estaria negligenciando o uso de laboratórios. Achamos que o laboratório é
não apenas uma peça importante no dia a dia dos cientistas naturais, mas
também, aparentemente, na formação de jovens cientistas. Contudo, de acordo com
Kuhn, o tipo de prática a que o estudante de ciências é exposto nos
laboratórios de ensino é secundária àquela a que ele é exposto por meio dos
livros-texto. Estes lhe ensinam a como resolver problemas científicos dando-lhe
exemplos. Os laboratórios de ensino são construídos de acordo com o que está
previsto nos livros-texto. Toda manipulação de objetos nestes laboratórios é,
obviamente, compreensível apenas à luz dos problemas e soluções veiculados nos
livros-texto. Além disso, de um ponto de vista histórico, tais laboratórios são
desastrosos porque criam condições completamente artificiais em relação àquelas
em que os cientistas do passado trabalharam. Os aparelhos são projetados e
construídos com os recursos de uma tecnologia não disponível no passado. Mais
uma vez, tais laboratórios só têm valor enquanto um recurso adicional e
complementar ao livro-texto, não podendo ser utilizados independentemente deste.
Essas considerações não
significam que a visão de Kuhn sobre a educação científica seja negativa.
Poderíamos dizer que ela é negativa porque a educação nas humanidades, por
exemplo, nos parece positiva por procurar desenvolver no estudante o espírito crítico.
E isso parece faltar, segundo Kuhn, na educação científica. Kuhn não aprecia
valorativamente essa diferença entre a educação nas humanidades e nas ciências
naturais. A educação científica, segundo ele, é certamente inadequada para
formar historiadores da ciência (estes estão, afinal, nas humanidades), mas é
adequada para formar cientistas naturais. Para esse objetivo, ela possui um
aspecto que podemos considerar positivo, tendo em vista a concepção de
desenvolvimento das ciências defendida por Kuhn.
Embora Kuhn descarte
qualquer progresso cumulativo de conteúdos ao longo das revoluções pelas quais
passa determinada disciplina científica, há um tipo de progresso admitido e que
está vinculado estreitamente com a educação científica: o progresso como um aumento
na capacidade de resolver problemas. A última seção de Structure é
dedicada a este tema. Como outros filósofos da ciência, Kuhn continua dizendo
que a ciência é uma atividade progressiva, diferentemente das artes e das
humanidades. Contudo, dada a relatividade dos paradigmas e sua
incomensurabilidade, esse não pode ser um progresso cumulativo, nem um
progresso em direção à verdade. Citando Darwin de forma sugestiva, Kuhn diz
que, em relação ao passado, o conhecimento científico moderno é mais adaptado
porque apresenta um aumento de articulação e especialização para resolver
problemas. Se assim é, uma das causas desse sucesso do empreendimento
científico, entendido nestes termos, é o tipo de educação que os cientistas
recebem. Esta educação é que é adequada para criar e aperfeiçoar melhores
solucionadores de problemas.
Enciclopédia de Filosofia da Educação (05/07/99)