Ana-Isabel Aliaga-Buchenau
O Romantismo é freqüentemente visto como rompimento com a ordem estabelecida,
como mudança revolucionária do até então existente. Diz-se que ele se contrapõe
às idéias postuladas por representantes do Iluminismo e Neo-classicismo(1). No
mundo da pedagogia, a obra de Rousseau, Émile, constituiu-se numa espécie de
revolução. Neste ensaio mostro que as noções de Rousseau são novas e inovadoras
somente com referência à educação de meninos. Ao contrário, sua visão acerca de
meninas e mulheres é bastante reacionária. Uma comparação entre Sofia, a menina
em Émile de Rousseau, e Lotte, a heroína em The Sufferings of Young Werther de
Goethe, apresenta semelhanças entre as duas jovens mulheres. Eu postulo que o
Romantismo é basicamente reacionário, como pode ser visto nesta comparação.
As idéias de Rousseau são realmente revolucionárias quando comparadas à situação da educação das crianças e dos métodos educacionais do século XVIII, como descrito na seguinte citação:
“A prática em uso era [os bebês] serem cuidados por amas-de-leite...que freqüentemente negligenciavam-nos terrivelmente. Higiene, realmente não existia... tanto eles continuaram sendo protegidos de certos males como ar frio e exercícios, como eram espancados por desobediência...Se eles estivessem ou não felizes, era... extremamente irrelevante”(2).
As idéias de Rousseau são realmente revolucionárias quando comparadas à situação da educação das crianças e dos métodos educacionais do século XVIII, como descrito na seguinte citação:
“A prática em uso era [os bebês] serem cuidados por amas-de-leite...que freqüentemente negligenciavam-nos terrivelmente. Higiene, realmente não existia... tanto eles continuaram sendo protegidos de certos males como ar frio e exercícios, como eram espancados por desobediência...Se eles estivessem ou não felizes, era... extremamente irrelevante”(2).
Rousseau se opôs a cada aspecto dessa forma de educação, sugerindo a
amamentação de bebês, roupas folgadas, aprendizagem pela experiência e, o mais
importante, o objetivo de fazer as crianças felizes. Uma das mais
revolucionárias contribuições de Rousseau é que ele vê as crianças como
crianças, que acredita que elas são boas por natureza, e que a educação deveria
ser “negativa”. Isto é, um educador deveria incrementar as boas inclinações de
uma criança, não a instruindo e dirigindo diretamente, mas ajudando as boas
coisas a emergirem. Em Émile, um tutor exemplar eleva a criança ideal, Emílio,
à perfeição. Em vez de um modo mecanicista de educação, o tutor usa o “método
negativo”. Além disso, ele tem a função de proteger a criança da influência da
sociedade(3).
Então, e sobre as mulheres? Em Émile, Rousseau apresenta Sofia, a menina
educada para se tornar a mulher perfeita como esposa de Emílio. Depois de
estabelecer que as mulheres não são iguais aos homens ? a mulher “tem os mesmos
órgãos, as mesmas necessidades,...[a mesma] máquina”(4), mas homens e mulheres
“devem ser distintos em constituição e temperamento”(5)?, Rousseau esboça uma
educação muito diferente para mulheres.
Aparentemente, a educação das mulheres parece ser baseada em um semelhante
princípio “negativo”, como a educação masculina. De uma maneira “negativa”,
Rousseau pretende que a inferioridade natural da mulher e suas tendências para
ser conquistadora, astuta e apaixonada por natureza sejam respeitadas e
conduzidas por caminhos desejáveis. Esse direcionamento já indica que o
processo real de educação é muito mais positivo do que “negativo”: os
professores “ensinam-na, limitam-na, educam-na, explicam para ela”(6). As
meninas “deveriam ser acostumadas cedo à restrição”(7). Uma lição mais
importante para as mulheres é aprender sobre seus deveres e, além disso, “a
amar esses deveres”(8). Os deveres incluem tarefas domésticas, mas não
necessariamente ler ou escrever numa idade muito prematura. A natureza
doméstica da educação de mulheres enfatiza o papel de mãe e dona de casa. Além
desse, o único dever que uma mulher tem é ser esposa.
Enquanto que Emílio (leia-se: um homem) é a representação do individualismo romântico e da liberdade em sociedade, as mulheres são criaturas dependentes. Elas dependem de suas famílias, seus maridos e da sociedade. Uma mulher tem que aprender a subserviência porque ela terá que “suportar injustiças até mesmo da... mão [de seu marido]”(9) e qualquer desejo de liberdade, “somente multiplicaria o sofrimento da esposa e os maus tratos do marido”(10). Em contraste com Emílio e os homens, as mulheres não são livres na sociedade. Ao contrário, sua mais elevada meta deve ser a de preservar sua honra, algo que elas não podem fazer sozinhas porque “a honra da mulher não depende apenas de sua conduta, mas de sua reputação”(11).
Até mesmo no contexto de seu tempo, Rousseau surge como uma voz muito conservadora entre contemporâneos como Fénelon e Madame de Maintenon, que propagaram uma visão muito emancipada das mulheres(12). Embora alguns aspectos de seu tratamento às mulheres sejam obtidos a partir de trabalhos anteriores e reflitam atitudes reacionárias, Rousseau aponta para o futuro com sua representação da mulher perfeita e ideal, Sofia ? futura esposa de Emílio. Sofia é, em muitos aspectos, um protótipo da heroína romântica do início do século XIX, representada ali pela idealizada Lotte em The Sufferings of Young Werther, de Goethe. A surpreendente conclusão que precisa ser tirada dessa comparação é que alguns aspectos do Romantismo são muito reacionários, já que, como tem sido apontado, Sofia é retratada de igual modo e conduzida semelhantemente à heroína romântica Lotte(13).
Rousseau atribui muitas características à Sofia e às mulheres em geral, que são aquelas mais altamente apreciadas pelos românticos. As mulheres têm intuição, paixão e imaginação. Ao invés de razão, como Emílio, Sofia possui sensibilidade. Esta é exatamente a mudança entre a “Idade da Razão” e a “Idade da Sensibilidade”:
“Se não as paixões, em nosso sentido da palavra, pelo menos a sensibilidade
vem substituir a razão como a pedra de toque da vida, quando a suscetibilidade
emocional de um coração afável era apreciada mais altamente do que o estreito
julgamento de uma cabeça fria”(14).
Na opinião de Rousseau, Sofia é “muito sensível”(15). Embora ele não
aprecie ainda a sensibilidade, como mais tarde os românticos o farão, ele já
atribui esta característica a Sofia. Lotte também é muito sensível, de tal modo
que Werther vê seu futuro marido como impróprio para estar com ela uma vez que
a este falta semelhante sensibilidade(16).
Uma característica semelhante a sensibilidade é a intuição. As mulheres, de acordo com Rousseau, vivem de intuição, e elas devem usá-la para “ter um completo conhecimento da mente dos homens”(17) e para “ler mais acuradamente o coração do homem”(18). Ler o coração ? um órgão que assume proeminência sem precedentes no pensamento romântico ? é uma capacidade que Sofia compartilha com a heroína romântica Lotte. Quando se torna claro como Werther está desesperadamente apaixonado, Lotte toma uma “firme resolução” de mantê-lo distante, mas não consegue dizer-lhe: “e se ela adiasse, então seria um sincero, amigável desejo de poupá-lo, porque ela sabia quanto isto custaria a ele, que seria sem dúvida quase impossível para ele”(19).
Além da intuição, a paixão é um outro aspecto de sensibilidade agora
substituído pela razão e racionalidade. Ambas, Sofia e Lotte, têm paixão em
grau elevado. De acordo com Rousseau, mulheres podem “apenas esconder a paixão
que as devora”(20), o que ele vê como um fato que apóia sua demanda pela
restrição exercida sobre as mulheres. Entretanto, quando Sofia é “devorada”
pela paixão, ela não é reservada, mas ela se fixa em um herói imaginário e
“[ama-o]”...com uma paixão que nada poderia curar”(21). Lotte é igualmente
“perturbada”(22) por suas emoções e paixões, como Sofia. Tendo repelido os
avanços de Werther por longo tempo, Lotte finalmente sucumbe a sua paixão: “Seu
senso tornou-se confuso, ela apertou as mãos dele, apertou-as contra o seu peito”(23).
Ambas as mulheres reagem como qualquer romântico teria feito em face do
impossível ou rejeitado amor. Quando Sofia é mal sucedida no amor com um herói
imaginário, seu “temperamento” muda e ela se torna melancólica: quando Lotte
percebe que não pode ter Werther, e que não quer ter mais ninguém, ela tem
sentimentos semelhantes aos de Sofia: “seu espírito...sentiu o fardo de uma
melancolia que sabe que o projeto de felicidade está fracassado”(24). A
melancolia é outro aspecto da sensibilidade e um ideal no pensamento romântico.
Rousseau considera emoções, e derramamento de lágrimas em particular, em
termos positivos. Igualmente, estas são as características mais idealizadas
pelos românticos. Quando Emílio vem à casa de Sofia, ele ouve a história de Telêmaco
e verte algumas lágrimas de emoção pelos protagonistas. Sofia, “vendo-o chorar,
está pronta para misturar suas lágrimas com as dele”(25). A emoção vem da forte
capacidade de empatia de Sofia e de Emílio. Ambos mostram o tipo de empatia
mais tarde tão venerado pelos românticos. Lotte e Werther são muito parecidos
em sua reação emocional diante de uma obra literária. Ambos choram ao ouvir
Ossian, e perdem-se em lágrimas diante da simples invocação do nome de um poeta
romântico alemão ? Klopstock(26). A literatura evoca lágrimas em ambas, Sofia e
Lotte.
Mais notavelmente, elas assemelham-se mutuamente em suas capacidades imaginativas. Ambas as mulheres têm muita imaginação, estimuladas pela leitura literária. Rousseau apresenta-nos duas alternativas conclusivas para as poderosas façanhas imaginativas de Sofia. Ela aprendeu tanto sobre a virtude que o único homem que a atrai é “o herói imaginário” de sua leitura(27), Telêmaco. No final feliz de Rousseau, Sofia consegue transferir seu amor por Telêmaco para Emílio, o qual foi apreendido do próprio Telêmaco. Porém, na versão alternativa que ele somente expressa como um final possível, envolvida em sua fúria, Sofia é considerada louca, ela se torna uma proscrita, e finalmente morre por causa da força da sua imaginação. Esta Sofia é muito sensível e romântica, portanto, acaba morrendo.
Lotte também tem uma imaginação muito forte, que a leva a identificar-se com eventos descritos, por exemplo, em Ossian. Ao ouvir Werther ler para ela tal obra, ela começa a chorar. Ela pode então imaginar o que Werther estaria sofrendo e “uma premonição de sua terrível intenção pareceu-lhe perpassara alma”(28). Lotte é também muito “sensível e romântica”, como se pode notar quando Werther suicidou-se: “havia medos na vida de Lotte”(29).
Mais notavelmente, elas assemelham-se mutuamente em suas capacidades imaginativas. Ambas as mulheres têm muita imaginação, estimuladas pela leitura literária. Rousseau apresenta-nos duas alternativas conclusivas para as poderosas façanhas imaginativas de Sofia. Ela aprendeu tanto sobre a virtude que o único homem que a atrai é “o herói imaginário” de sua leitura(27), Telêmaco. No final feliz de Rousseau, Sofia consegue transferir seu amor por Telêmaco para Emílio, o qual foi apreendido do próprio Telêmaco. Porém, na versão alternativa que ele somente expressa como um final possível, envolvida em sua fúria, Sofia é considerada louca, ela se torna uma proscrita, e finalmente morre por causa da força da sua imaginação. Esta Sofia é muito sensível e romântica, portanto, acaba morrendo.
Lotte também tem uma imaginação muito forte, que a leva a identificar-se com eventos descritos, por exemplo, em Ossian. Ao ouvir Werther ler para ela tal obra, ela começa a chorar. Ela pode então imaginar o que Werther estaria sofrendo e “uma premonição de sua terrível intenção pareceu-lhe perpassara alma”(28). Lotte é também muito “sensível e romântica”, como se pode notar quando Werther suicidou-se: “havia medos na vida de Lotte”(29).
As semelhanças entre Sofia e Lotte vão mais além do que as qualidades
emocionais que elas compartilham. Elas são também, ambas, educadas para a mesma
função futura ? a de mãe e esposa. Durante o século XVIII, não era incomum para
as mulheres, ao menos nos centros urbanos, entregarem suas crianças para
amas-de-leite. Ao mesmo tempo, romances extra-conjugais eram ocorrências
bastante normais(30). Foi somente no final do século, com a ascensão do
Romantismo, que a condição de mãe e esposa passou a ser idealizada para
estimular as mulheres a verem nela maior importância(31). Rousseau é um
defensor de tais noções românticas na medida em que vê a importância das
crianças, a importância da maternidade e de ser uma esposa perfeita. Na sua
descrição de Sofia, ele estabelece essas virtudes de mãe e de esposa, que se
tornariam importantes durante o século XIX e que têm sido vistas como
reacionárias pela crítica recente. As mulheres deveriam ser conduzidas e
educadas para dois propósitos, como ditames da natureza. Elas existem para
tornar-se mães, donas de casa e esposas.
Sofia é especificamente levada a preparar-se para as suas funções
domésticas. Rousseau é combatido precisamente por defender esse “aprendizado
doméstico” planejado para Sofia(32). Sofia aprende em idade muito tenra a
costurar, uma atividade que corresponde à utilidade prática esperada da
educação para meninas, já que ela precisará estar apta a fazer suas próprias
roupas. Mais importante, ela estuda os “detalhes da administração doméstica;
ela entende de cozinhar e limpar; ela sabe os preços da comida, e também como
escolhê-la; ela pode fazer contas corretamente, ela é a governanta de sua
mãe”(33). De fato, ela deve aprender matemática antes de ler e escrever, já que
ela é mais importante para calcular um orçamento doméstico. Rousseau nega
expressamente às mulheres qualquer outra forma de ocupação de lazer, tal como
“escrever versos em sua mesa de toalete rodeada por folhetos de todo tipo e com
notas sobre o papel pintado”(34). Essas são as atividades domésticas que fazem
uma mulher valiosa aos olhos de um homem.
Novamente, Lotte é muito semelhante a Sofia, já que homens, quer Albert, Werther ou seu pai, apreciam-na por suas habilidades domésticas. O que estimula a fantasia de Werther sobre Lotte não é somente sua beleza aparente, mas, mais importante, sua habilidade doméstica: “segurando um pão de centeio e cortando para os pequenos à sua volta, corta-o em pedaços apropriados para suas idades e apetites”(35).
Tanto Sofia quanto Lotte devem executar deveres domésticos, cuidando da casa e da família. A mais importante função delas é a de mãe no lar. Como mãe, Sofia mantém uma família unida: “ela forma um laço entre pai e criança...Que cuidado amoroso é exigido para preservar uma família unida!”(36)
A idealização da maternidade é até mais forte no caso de Lotte, porque ela torna-se mãe prematuramente. Quando sua mãe morre, ela promete ser mãe para seus muitos irmãos com “coração de mãe e olhos de mãe” e com a “lealdade e a obediência de uma esposa” para consolar o pai(37). Como os homens na vida dela observam: Lotte “tem se tornado uma verdadeira mãe,... nenhum momento de seu tempo tem sido gasto sem ação amorosa, sem alguma labuta”(38).
Tanto Lotte quanto Sofia, devem tornar-se mães e donas de casa. A
idealização da maternidade começou no final do século XVIII. A noção romântica
da mãe ideal é tão forte que ainda existe hoje. Como o crítico Nancy Senior
aponta, a noção de amor de uma mãe por suas crianças é um “conceito
cultural”(39):
“Uma grande tentativa foi feita para persuadir as mães de que elas seriam saudáveis, felizes e respeitadas, e encontrariam satisfação em devotar-se às suas crianças”.(40)
“Uma grande tentativa foi feita para persuadir as mães de que elas seriam saudáveis, felizes e respeitadas, e encontrariam satisfação em devotar-se às suas crianças”.(40)
Tanto a descrição das mulheres por Rousseau, Sofia em particular, como a
descrição da maternidade de Lotte, parecem ser parte daquela tentativa. Embora
Rousseau se apresente reacionário e conservador, ele parece defender algo de
novo para o século XVIII, que assumiria grande importância no Idealismo
Romântico, e continuaria valioso no século XIX em muitos países(41). Além das
tarefas da maternidade e dever doméstico, as mulheres têm que ser uma esposa.
O problema de ser mulher é que existe uma dicotomia entre a esposa como
objeto de desejo sexual e, ao mesmo tempo, um anjo de virtude intocável. Esta
dicotomia, já descrita por Rousseau, torna-se até mais forte durante o último
movimento romântico. Uma mulher poderia tanto ser um demônio quanto um
anjo(42). Neste primeiro estágio, uma mulher como Sofia teve que ser ambos. De
um lado, ela teve que ser a sedutora que é fisicamente atraída pelo homem. Por
outro lado, ela teve que ser virtuosa e com uma reputação imaculada como a
perfeita mulher/anjo.
Vamos examinar primeiro as mulheres como sedutoras. O poder para seduzir um
homem dá à mulher uma grande força:
“A natureza tem dotado a mulher com um poder de estimular as paixões do
homem mais do que o poder do homem de satisfazer essas paixões, e assim o tem
feito... compeliu-o por sua vez a empenhar-se em agradá-la”.(43)
Quando Emílio conhece Sofia, “o charme do encanto feminino invade seu
coração, e ele começa a instilar o veneno com que é intoxicado”.(44)
Do mesmo modo, Lotte inspira desejo em Werther. Embora ele não faça nenhuma
reivindicação a ela, ele sente que é quase impossível não “desejar tão amavelmente
um objeto como Lotte(45). Lotte parece ter o mesmo poder sobre o homem que
Rousseau concedeu a Sofia. Ela deve resistir a qualquer avanço, mas sua
resistência é o que atrai os homens mais profundamente. De maneira semelhante,
Lotte parece manipular a paixão de Werther. Quando Werther toca Lotte
acidentalmente, isto desperta seu desejo por ela. Aos olhos dele, porém, ela é
inocente de qualquer encorajamento. Como uma maneira semelhante de dizer não,
mas aparentemente encorajando a intimidade, Lotte diz a Werther para parar de
beijá-la, mas ao mesmo tempo prossegue. Parece que Rousseau expôs os mesmos
princípios acerca das manipulações de Sofia valiam para Lotte.
Contra toda convenção, Rousseau encoraja as práticas de cantar, dançar e
tocar piano para mulheres. Sofia aprende todas essas artes quando menina(46).
Lotte também adquiriu essas habilidades: quando ela está de mal humor, ela
“canta... um par de quadrilhas, saltitando para cima e para baixo no jardim,
afastando-se imediatamente”(47). Como Sofia, Lotte também toca piano para
exprimir suas emoções, e novamente ela admite que “se algo me aborrece e eu
martelo uma quadrilha em meu velho piano, fora de melodia, isso torna novamente
tudo certo”(48).
Rousseau não somente aconselha as meninas a que aprendam essas artes para
serem capazes de agradar os homens, como encoraja os pais a deixar suas filhas
a irem a bailes e eventos semelhantes. Rousseau teme que, se esses prazeres
forem negados às meninas, elas, tentarão compensar a falta desses divertimentos
durante o casamento. Lotte adora dançar, e ela comparece a um baile com
Werther. Ela está animada e feliz nessa diversão, como somente acontecia antes
de ela estar casada com Albert. É durante esse baile que Werther mais nota o
charme pessoal de Lotte. O modo no qual “os pequenos pés de Sofia pisam
ligeiramente, facilmente, e graciosamente”(49) é semelhante aos movimentos de
Lotte cheios de “charme... [e] agilidade”(50). Tanto Sofia como Lotte aprendem
a ser sedutoras.
Por outro lado, a maior parte da educação delas é ajustada para produzir nelas esposas perfeitas. Para se tornar uma esposa perfeita, Sofia aprendeu as tarefas domésticas, a forma forte de submissão que a faz capaz de aceitar qualquer injustiça de seu marido. Sua educação a faz o perfeito ponto de apoio para Emílio. Sofia espera tornar-se uma esposa perfeita, mas ela também espera encontrar um marido perfeito. Lotte tem sentimentos semelhantes sobre ser esposa como seu primeiro dever, e ter um “bom” marido:
“Ela [Lotte] viu-se agora unida para sempre com o marido cujo amor e lealdade ela sabe,... uma boa esposa poderia encontrar [nele] a felicidade de sua vida...”(51)
Por outro lado, a maior parte da educação delas é ajustada para produzir nelas esposas perfeitas. Para se tornar uma esposa perfeita, Sofia aprendeu as tarefas domésticas, a forma forte de submissão que a faz capaz de aceitar qualquer injustiça de seu marido. Sua educação a faz o perfeito ponto de apoio para Emílio. Sofia espera tornar-se uma esposa perfeita, mas ela também espera encontrar um marido perfeito. Lotte tem sentimentos semelhantes sobre ser esposa como seu primeiro dever, e ter um “bom” marido:
“Ela [Lotte] viu-se agora unida para sempre com o marido cujo amor e lealdade ela sabe,... uma boa esposa poderia encontrar [nele] a felicidade de sua vida...”(51)
Embora essa descrição pareça uma relação perfeita, não se pode esquecer,
como Rosenberg aponta, que “as mulheres eram artigos comerciáveis”: as esposas
eram consideradas objeto e propriedade(52). De acordo com Rousseau, era do
interesse da mulher tornar-se propriedade apreciada, porque só poderia ser
cuidada apropriadamente se encontrasse um homem. A necessidade urgente de Sofia
de encontrar um marido enfatiza este ponto. Lotte também se considera
“propriedade” de Albert(53).
Apesar dessas noções bastante conservadoras sobre o casamento, Rousseau adota um mesmo ideal muito romântico acerca dele. Ele permite a Sofia escolher seu próprio marido, como o pai dela lhe explica:
“Há uma conveniência natural, uma conveniência de uso estabelecido, e uma conveniência que é meramente convencional. Os pais podem decidir pelas duas últimas e os filhos eles mesmos podem decidir pela primeira”(54).
Apesar dessas noções bastante conservadoras sobre o casamento, Rousseau adota um mesmo ideal muito romântico acerca dele. Ele permite a Sofia escolher seu próprio marido, como o pai dela lhe explica:
“Há uma conveniência natural, uma conveniência de uso estabelecido, e uma conveniência que é meramente convencional. Os pais podem decidir pelas duas últimas e os filhos eles mesmos podem decidir pela primeira”(54).
Esta é uma noção romântica de casamento que contraria aquela sustentada
antes, em que era dado aos pais o poder absoluto para escolher um marido ou
esposa. Isto não dá completa liberdade a Sofia porque a imagem do marido
perfeito tem sido cuidadosamente plantada em sua imaginação, mas permite
felicidade e amor entre duas pessoas ao invés de dinheiro e poder como razões
para uma união.
Lotte também parece ter escolhido seu próprio marido. Ela descreve Albert como uma “boa pessoa”(55). Quando sua mãe morre, ela dá sua benção a essa união, como Lotte descreve para Werther:
“Albert, você estava no quarto. Ela [a mãe] ouviu os passos de alguém e indagou, e você veio até ela, e então ela olhou para você e eu com o olhar calmo e confortado de quem sabia que nós seríamos felizes, felizes juntos”(56).
Lotte também parece ter escolhido seu próprio marido. Ela descreve Albert como uma “boa pessoa”(55). Quando sua mãe morre, ela dá sua benção a essa união, como Lotte descreve para Werther:
“Albert, você estava no quarto. Ela [a mãe] ouviu os passos de alguém e indagou, e você veio até ela, e então ela olhou para você e eu com o olhar calmo e confortado de quem sabia que nós seríamos felizes, felizes juntos”(56).
Tanto Sofia como Lotte escolhem seus maridos, mas certamente com o
consentimento de seus pais. Rousseau é bastante romântico em suas noções sobre
o amor. Porém, é interessante notar que ele não prevê um final feliz. Émile
termina com o anúncio feliz de que Sofia, agora casada com Emílio, está grávida
e que o tutor ajudará com a educação da nova criança. Porém, em seqüência, Les
Solitaires, Rousseau descreve como Emílio perde o interesse por sua mulher após
a morte da criança, e como Sofia encontra um amante e finalmente morre. Afinal
de contas, sua educação e a escolha perfeita, o casamento, não funcionou. O
casamento de Lotte também parece ser problemático, já que ela não pode negar
sua atração por Werther. Quando ela o vê pela última vez, seu marido Albert
nada sabe sobre isto, e ela não lhe fala sobre seus sentimentos e preocupações.
Por conseguinte, ninguém impede Werther de seu suicídio e o livro termina com a
menção de temor pela vida de Lotte. Esses eventos não pressagiam um futuro
muito positivo para o casal. Embora Rousseau postule noções de amor romântico,
também vê nele a possibilidade de drama e tragédia. O destino de Lotte prova
quão profundamente Rousseau descreveu uma heroína romântica em sua Sofia.
A questão formulada no princípio permanece. Rousseau tem uma atitude
ambivalente das idéias românticas. Por um lado, seu herói Emílio é dotado de
atributos românticos como bondade natural, individualismo e liberdade. Por
outro lado, Rousseau pinta um quadro muito conservador e reacionário de Sofia e
das mulheres em geral. Num exame mais profundo, Sofia tem muitas
características românticas que a fazem bem parecida com Lotte, uma verdadeira
heroína romântica. Se Rousseau é tão reacionário e ao mesmo tempo romântico
acerca das mulheres, poderia significar então que o Romantismo, ao menos
enquanto se refere às mulheres, sustenta valores reacionários e conservadores?
Poderia haver uma diferença entre aquilo que o Romantismo prevê para os homens
e as mulheres, em termos de liberdade e individualismo? A partir da literatura
do Romantismo e da maior parte do século XIX, eu postulo que ao menos uma forma
de idealização romântica das mulheres as tornou prisioneiras, as fez
dependentes e as limitou à imagem de anjo ou mãe e esposa perfeitas ?
precisamente para conter a potencial ameaça que existe na figura feminina de
sedutora ou demônio(57). Muito da literatura americana, francesa e alemã do
século XIX ainda contém algumas dessas noções originadas nos movimentos românticos.
O caráter doméstico vitoriano enfatizou uma semelhante imagem das mulheres:
Effi Briest e Emma Bovary falham precisamente porque elas são românticas de
coração, mas não podem se conformar à visão romântica idealizada da condição
feminina.
A influência de Rousseau tem sido imensa, e ele continua incitando opiniões no século XX. Alguns aspectos da imagem da mulher ideal são ainda enfatizados do mesmo modo nos dias atuais. As mulheres devem ser boas mães, o casamento é a meta a alcançar, e alguns igualmente sugerem nos anos noventa educar homens e mulheres novamente separados(58). Estamos revertendo à idéia de “esferas separadas”?
The Education of Rousseau’s and Goethe’s Lotte: Could Romanticism Be
Reactionary? Ana Isabel Aliaga Buchenau. University of North Carolina at Chapel
Hill. Tradução: Lígia Maria Cardoso.
Revisão: Marco Antônio Frangiotti.
Notas:
1 Ver Lilian R. Furst, Romanticism (London: Methuen, 1976). Os Problemas de Definição são Tratados nas pgs. 1-14.
1 Ver Lilian R. Furst, Romanticism (London: Methuen, 1976). Os Problemas de Definição são Tratados nas pgs. 1-14.
2 Peter Jimack, Rousseau; Émile (London: Grant & Cutler Ltd. 1983) 46.
3 Jimack 49.
4 Jean Jacques Rousseau, Émile (New York:
Dutton, 1966) 321.
5 Rousseau 326.
6 Helen Evans Misenheimer, Rousseau on the
education of Women (Washington, DC.: UP of America, 1981) 82.
7 Rousseau 332.
8 Rousseau 349.
9 Rousseau 359.
10 Rousseau 333.
11 Rousseau 328.
12 Fenelon havia defendido uma forma muito diferente e mais “liberada” de
educação de mulheres, Madame de Maintenon havia secularizado a educação de
meninas criando a escola Saint Cyr com um currículo bem diferente daquele que
Rousseau pretendia para Sofia, e Madame de Lambert havia igualmente postulado
uma forma mais liberada de educação de mulheres. Veja Misenheimer, Rousseau on
the Education of Women (Washington, DC.: Up of America, 1981) 47-49.
13 O adjetivo “romântico” é usado neste ensaio como pertencendo ou
derivando de Romantismo.
14 Furst 27.
15 Rousseau 359.
16 "Uma certa falta de sensibilidade, uma falta – tome isto como você
quiser; que o coração dele [Albert] não bata por compaixão – oh! – um trecho de
um livro de amor". Johann Wolfgang von Goethe, The Sufferings of
Young Werther and Elective Affinities, transl. Bayard Quincy Morgan (New York:
The Continuum Publishing Company, 1987) 74.
17 Rousseau 350.
18 Rousseau 350.
19 Goethe 96.
20 Rousseau 352.
21 Rousseau 367.
22 Rousseau 366.
23 Goethe 107.
24 Goethe 100-101.
25 Rousseau 377.
26 Goethe 32-33.
27 Rousseau 368.
28 Goethe 107.
29 Goethe115.
30 Nancy Senior, "Rousseau's Émile on
Motherhood, in the Context of its Time," in Jean Terrasse, ed., Rousseau
et l'êducation: êtudes sur l'Émile (Sherbrooke, QuÇbec, Canada: Editions
Naaman, 1983) 93.
31 Pretende-se que essas observações sejam aplicadas particularmente às
mulheres da elite e classe média.
32 Misenheimer 80.
32 Misenheimer 80.
33 Rousseau 357.
34 Rousseau 372.
35 Goethe 27.
36 Rousseau 324.
37 Goethe 59.
38 Goethe 47.
39 Senior 95.
40 Senior 95.
41 Particularmente na América, o culto do caráter doméstico e da
maternidade é uma idéia predominante no conceito de mulher no século XIX.
42 Cf. Sandra M. Gilbert and Susan Gubar, The
Madwoma n in the Attic: The Woman Writer and the Nineteenth-Century Literary
Imagination (New Haven: Yale UP, 1979). Porém, veja o argumento de Nina
Auerbach's argument in Woman and the Demon: The Life of a Victorian Myth
(Cambridge, Mass.: Harvard UP, 1982). Ela argumenta que as duas categorias não são tão
distintas quanto se pensa, que a figura de anjo possui tanto poder e que a
figura do demônio tenha características angelicais.
43 Rousseau 323.
44 Rousseau 378.
45 Goethe 46.
46 Rousseau 337 and 350.
47 Goethe 37.
48 Goethe 37
49 Rousseau 357.
50 Goethe 30.
51 Goethe 100.
52 Aubrey Rosenberg, "Property, Possession
and Enjoyment. Woman as Object, Subject and Project in the Émile," in Jean
Terrasse, ed., Rousseau et l'êducation: êtudes sur l'Émile (Sherbrooke, Quebec,
Canada: êditions Naaman, 1983) 103.
53 Goethe 97.
54 Rousseau 362.
55 Goethe 31.
56 Goethe 60.
57 "Se...a mulher é idealmente um anjo doméstico...ela continuamente
ameaça tornar-se uma apaixonada criatura rebelde, impelida por desejos
proibidos”. Alan Richardson, Literature, Education and Romanticism: Reading as Social
Practice, 1780-1832 (Cambridge: Cambridge UP, 1994), 207.
58 Na Alemanha, muitos pedagogos indicam que as meninas mais aprenderiam
longe de meninos mais agressivos e presunçosos, nas mesmas circunstâncias.
Algumas experiências com educação separada estão sendo feitas atualmente. De
acordo com Raleigh News and Observer, vários artigos em meses recentes têm
apontado para o sucesso da educação separada em ambiente escolar.